Medida Provisória nº 927/2020 e as medidas de enfrentamento à pandemia do Coronavírus

Estamos vivendo um momento crítico para a humanidade, em decorrência da pandemia do coronavírus. Devido a declaração de pandemia do COVID-19 autoridades públicas municipais, estaduais e federais estão impondo medidas para conter a disseminação do vírus, as quais tem acarretado modificações sem precedentes nas relações de trabalho no Brasil.

A Lei Federal nº 13.979/2020 dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus e autoriza, dentre outras providências, medidas de isolamento, quarentena e determinação de realização compulsória de exames. Diversos Estados e Prefeituras determinaram o fechamento de estabelecimentos de comércio, de prestação de serviços, e até de indústrias considerados não essenciais ao enfrentamento da situação de calamidade.

Em 22 de março de 2020 foi editada a Medida Provisória nº 927, dispondo sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19).

Dentre as medidas trazidas pela MP 927, como forma de preservar os empregos e a renda, encontram-se as seguintes opções:

I – Teletrabalho:

  • O empregador poderá a seu critério determinar a adoção do regime de teletrabalho, e determinar o retorno de trabalho presencial ao final do período crítico INDEPENDENTEMENTE de acordo individual ou coletivo, dispensado o registro prévio da alteração contratual;
  • Dever de notificar o empregado da alteração para teletrabalho com antecedência de no mínimo 48h, por meio escrito ou eletrônico;
  • A responsabilidade pela aquisição e a manutenção da infraestrutura e equipamentos deve ser objeto de acordo por escrito;
  • Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos necessários para a realização do teletrabalho, o empregador poderá fornecê-los em regime de comodato;
  • O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo;
  • Tais disposições são aplicáveis também para estagiários e aprendizes.

A fim de minimizar futuras demandas judiciais, sugerimos a elaboração de documento por escrito definindo os parâmetros da realização do teletrabalho, o qual, dada a excepcionalidade da situação, poderá ser firmado por meio eletrônico.

 

II – Antecipação de férias individuais:

No tocante as férias individuais, foram estabelecidas as seguintes medidas:

  • Redução do prazo mínimo de comunicação para 48h de antecedência, podendo ser por escrito ou meio eletrônico.
  • Não poderão ser gozadas por período inferior a 05 dias e poderão ser concedidas ainda que o período aquisitivo relativo às mesmas não tenha ocorrido;
  • Mediante acordo individual por escrito, poderá ocorrer a antecipação do gozo de períodos futuros de férias;
  • Deverão ser priorizados para o gozo das férias individuais ou coletivas aqueles trabalhadores que pertençam ao grupo de risco, conforme estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde;
  • O pagamento do terço constitucional correspondente poderá ser efetuado até a data em que é devido o pagamento do 13º salário;
  • Já o pagamento dos dias de férias poderá ser efetuado até o 5º dia útil do mês subsequente ao de sua concessão;
  • O abono pecuniário das férias (venda de 10 dias) estará sujeito à concordância do empregador e poderá ser pago no mesmo prazo do 13º salário.

III – Concessão de férias coletivas

  • Foi reduzido o prazo para notificação dos empregados para 48 horas e dispensada a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e sindicatos representativos da categoria;
  • Quanto aos prazos de pagamento aplicam-se às férias coletivas as mesmas disposições das férias individuais.

Destacamos que permanece em vigor o regramento determinando que as férias coletivas deverão ser concedidas a todos os empregados de uma empresa, ou de setores da empresa; entretanto, se concedida a determinado setor, todos os integrantes daquele setor deverão gozar das férias coletivas, sob pena de serem consideradas inválidas[1].

IV – Aproveitamento e antecipação de feriados:

  • Os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais, devendo notificar em, no mínimo, 48 horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados;
  • Os feriados religiosos, deverão ter anuência do empregado, mediante acordo individual escrito.

V – Banco de horas:

  • Poderá ser estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, em favor do empregador ou do empregado, para compensação em até 18 meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública;
  • A compensação poderá se dar mediante a prorrogação da jornada em até 2 horas, não podendo a jornada total exceder a 10 horas diárias.

Fica nosso alerta no sentido de que, caso a MP não seja convalidada pelo Congresso Nacional no prazo de até 120 dias, ela perderá sua validade, voltando a valer o prazo disposto no artigo 59 da CLT[2], a saber, 06 meses.

VI – Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho:

  • suspensão da obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto o demissional;
  • tais exames deverão ser realizados no prazo de 60 dias contados da data de encerramento do estado de calamidade;
  • o exame médico demissional fica dispensado caso tenha sido realizado outro exame médico ocupacional no prazo anterior de 180 dias;
  • suspensão da obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho, os quais deverão ser realizados no prazo de 90 dias contados da data de encerramento do estado de calamidade.

VII – Direcionamento do trabalhador para qualificação:

Por volta das 13:49m do dia 23/030, o presidente Jair Bolsonaro anunciou através de sua conta no Twitter que havia determinado a revogação do artigo 18 da MP 927/2020, tendo sido publicada a MP 928/2020 no final da noite do dia 23/03 confirmando tal revogação.

Este é o ponto mais controverso de toda a medida provisória, dispondo o seguinte:

  • Possibilidade de suspensão do contrato de trabalho pelo prazo de até 04 meses para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual;
  • Desnecessidade de acordo ou convenção coletiva de trabalho, podendo ser instituída por acordo individualcom o empregado ou grupo de empregados afetados;
  • Necessidade de haver o registro na CTPS;
  • Durante o período de suspensão contratual não haverá pagamento de salário, podendo o empregador conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, cujo valor será definido livremente entre empregador e empregado, via negociação individual;
  • O empregado permanece fazendo jus aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador, que não integrarão o contrato de trabalho;
  • Caso o curso ou programa de qualificação não seja ministrado ou o empregado permanecer trabalhado, fica descaracterizada a suspensão do contrato, sujeitando-se o empregador ao pagamento imediato dos salários e encargos sociais referentes ao período, às penalidades previstas em lei bem como às sanções previstas em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Em nossa opinião, tal previsão deverá ser objeto de alteração ou regulamentação em breve, uma vez que não será permitido o direcionamento dos contratos de trabalho para qualificação sem o pagamento de qualquer contraprestação.

VIII – Diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

  • O empregador pode adiar o recolhimento do FGTS de seus funcionários dos meses de março, abril e maio de 2020, com o respectivo pagamento de forma parcelada em até 6 parcelas com o primeiro vencimento para o sétimo dia do mês de julho de 2020;
  • Fica suspensa a contagem do prazo prescricional dos débitos relativos às contribuições do FGTS pelo prazo de 120 dias, contados da data da entrada em vigor da MP 927/2020.

Existem também disposições direcionadas especificadamente aos profissionais da saúde, permitindo-se aos estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso, a prorrogação da jornada de trabalho bem como a adoção de escalas de horas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado.

A MP prevê, ainda, que os casos de contaminação pelo coronavírus (COVID-19) não serão considerados doença ocupacional, exceto mediante comprovação de nexo causal, o que se mostra razoável em decorrência da constatação de transmissão comunitária no País. Outra disposição importante veio com o artigo 36, que convalida as medidas trabalhistas adotadas pelos empregadores nos últimos 30 dias, desde que não contrariem as determinações da MP.

Recomendamos sempre que possível buscar negociações coletivas diretamente com o sindicato dos trabalhadores ou através do sindicato patronal a fim de reduzir os riscos de questionamentos posteriores acerca das medidas tomadas.

O momento é de tensões e incertezas e requer cautela, é importante garantir da melhor forma possível a manutenção da empresa como fonte produtiva e a subsistência dos empregados. As medidas tomadas neste momento devem ser bem pensadas, especialmente ante a certeza de que poderão ser objeto de contestação no futuro.

Atualizaremos este conteúdo assim que houver novidades. Ficamos a disposição para esclarecimentos.

___________________________________________________________________________

[1] CLT Art. 139 – Poderão ser concedidas férias coletivas a todos os empregados de uma empresa ou de determinados estabelecimentos ou setores da empresa.

[2]CLT Art. 59.  A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
…§ 5º O banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).

Leave a Comment